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O direito do amor injusto (Conto)


Rafael era jovem ainda, pele branca e rosto coberto de barba, cabelos escuros como os olhos e fala mansa como o olhar. Acariciava o queixo redondo quando estava pensativo, e escondia os olhos ao sorrir. Toda a beleza suave e alucinante daquele brilhante advogado de 37 anos era surpreendente, e fisgou Carolina, uma professora que tinha a mesma idade, como uma fera em uma armadilha.
Os dois se conheceram em um restaurante, Carolina estava usando um vestido vermelho radiante. Sozinha. Tão linda, mas tão triste.
— Isso deveria ser um crime — disse o homem perfeito, aparecendo de repente. Carolina levantou o rosto num susto. Estava concentrada contemplado as pequenas bolhas de ar em seu copo com uma bebida gelada.
— Como disse? — respondeu desconcertada com a beleza dele.
— Uma mulher tão bonita como você, aqui sozinha, em uma sexta à noite? Isso é um crime. Posso defender a sua causa.
— Advogado? — ela se deixou levar na conversa suave.
Ele deu um sorriso torto estonteante.
— A seu dispor.
— Professora. Vou precisar — Carolina disse e riu.
Rafael não perguntou por quem ela estava esperando. Sentou-se à mesa ao ser convidado e os dois tiveram um ótimo jantar. Durante as semanas seguintes, os encontros aconteceram regularmente. Parecia ser o início de um relacionamento perfeito, porém Carolina escondia um segredo. Rafael passou a ter um segredo também.
Fabiana era uma adorável moça de apenas 19 anos. Estudante de direito e muito dedicada, estava sempre a procura de estágios, e gostava de falar com o advogado de determinado local para saber como se sentia ali antes que de fato entrasse para estágio. Não tinha outras intenções senão o que permitia a jurisdição de estudante interessada. Rafael, entretanto, ao ver aquela pele mais clara que a sua que contrastava com o preto de cabelos perfeitamente lisos e compridos, e lábios absurdamente vermelhos, esqueceu-se de qualquer lei.
— Olá — disse quando ela se aproximou inocentemente de sua sala. Seus olhos brilharam. Ela era maravilhosamente impecável —. Procurando alguém? Posso ajudar.
— Eu... — sentiu-se envergonhada. Ele era inacreditável — Eu gostaria de falar com o advogado daqui. Sou estudante de Direito e tenho algumas perguntas para fazer a ele ou ela.
— Ótimo. Eu sou o advogado. Meu nome é Rafael Queiroz.
— Fabiana Rodrigues. Muito prazer.
— O prazer é todo meu... Não gostaria de acompanhar-me até minha sala? Seria de todo mais confortável.
— Claro — e sorriu maliciosamente, compreendendo perfeitamente as intenções do sujeito perfeito e se deixando levar por elas.
A sala era de um tamanho razoável, com dois vasos de plantas, um quadro negro cheio de rabiscos e muitos recortes e pôsteres colados nas paredes. A escrivaninha estava arrumada, apesar de abarrotada de livros e papéis. Fabiana sentou em uma das duas cadeiras para clientes. Rafael sentou-se em sua cadeira gigante de couro.
— E então, o que deseja saber?
— Especificamente, tudo — ela sorriu e dobrou as pernas. Trajava um vestido curtíssimo verde escuro e uma jaqueta preta por cima.
— Acho que você será uma ótima advogada.
— Como pode saber? — ela fazia charme ao jogar os cabelos lisos por cima dos ombros — Aliás, estou no terceiro período, ainda.
Rafael sorriu e se inclinou para frente.
— Consigo sentir essas coisas.
— O que mais você consegue sentir?
Ele levantou de sua cadeira e se sentou ao lado da jovem.
— O que você quiser.
Fabiana sentiu a barriga congelar. Sentiu o corpo inteiro tremer quando o advogado se inclinou e a beijou, tocando seu rosto com sua mão áspera. Ela esticou os braços em volta de seu pescoço grosso e bastou isso para que Rafael a carregasse pelos quadris e a colocasse em seu colo. Com a porta trancada, as horas passaram.
Paralelamente Rafael manteve os encontros quentes e os românticos. Por mais que Carolina fosse uma mulher formada e bela, carecia de algo que só Fabiana possuía. Talvez fosse a vitalidade e a fé na vida. Ela ainda não sofrera as desilusões que Carolina já sofrera, como o casamento frustrado que tivera. As noites abrasadoras com Fabiana o aprisionavam mais do que os jantares e passeios, que lhe davam apenas uns beijos de Carolina. Talvez devesse parar de iludi-la.
— Carolina — disse formalmente em um dos jantares chiques.
— Já sei, você tem algo importante a me dizer — a professora adivinhou —, mas vai ter de esperar. Creio que o que eu preciso lhe dizer é mais importante.
— Então tudo bem — Rafael respondeu surpreso —. O que seria?
— Vamos a minha casa. Você verá. Quero que conheça uma pessoa.
O jantar terminou silencioso, assim como a viagem à casa de Carolina. Era cedo da noite ainda. Chegaram à simples casa de professora, que por luxo tinha um jardim coloridíssimo na frente. De frente a porta, Carolina parou e avisou Rafael:
— Eu devia ter lhe contado isso desde a primeira vez que nos encontramos. Espero que me entenda — e abriu a porta.
Os dois entraram, Rafael sentou-se no sofá grande e preto, na sala onde tinha uma TV, estante com livros, uma mesinha de centro e um tapete exótico no chão. Um pequeno e simples lustre iluminava a sala. Carolina sumiu dentro da casa e Rafael pôs-se a pensar em que segredo ela escondia. E, como faria para terminar essa ilusão, para que a professora não pensasse que fosse por causa de tal segredo, fosse qual fosse?
Os pensamentos profundos de Rafael foram abruptamente cortados ao ver duas pessoas naquela sala que jamais sonharia em ver juntas. O advogado paralisou em um súbito medo. Ficou mudo. Carolina percebeu o susto e tentou se defender:
— Rafael, esta é minha filha, Fabiana.
Fabiana sentia o mesmo medo. Ou quase o mesmo. Era repugnante a ideia de que estava saindo com o mesmo homem com quem a mãe saía, como se fosse seu padrasto. A jovem levou segundos para compreender tudo e pensar qual seria sua próxima palavra. Rafael estava completamente perdido em assombro. Não porque saía com a filha da mulher que namorava, mas porque Fabiana agora tinha conhecimento de quem ele era e do que fazia. E se ela contasse tudo? Mesmo que não fosse apaixonado pela professora como era pela menina, não queria que sua imagem de advogado fosse manchada com um episódio daquele.
— Ah... — ele gaguejou.
— Desculpe Rafael. Eu devia ter lhe contado antes, eu sei. Eu realmente quero que me perdoe. Eu não queria que isso estragasse as coisas entre nós.
— Não por isso... — foi o que conseguiu tartamudear — Mas eu ainda preciso ter aquela conversa com você, Carolina.
Fabiana lhe enviava um olhar que ele não podia decifrar. Rafael perdia-se em loucura por ela, não a queria perder de maneira nenhuma. Cogitava em seu coração a ideia de finalmente se casar, e pensou por um instante que podia ser aquela jovem sua esposa. Mas como estas coisas sucederiam agora que aquela confusão de sentimentos e pessoas familiares estava formada? Sua cabeça girava. Aquele era de fato o pior de todos os casos.
— Claro. Pode ser agora? — e voltou-se a filha — Querida, pode nos deixar um minuto a sós?
Fabiana finalmente tirou seu olhar cravado em Rafael e o direcionou à mãe e não soube o que sentiu. Aqueles lábios finos beijaram os mesmos que ela beijara. Ambas viam aquele homem da mesma maneira. Ela forçou um sorriso e saiu.
Rafael passou a mão pelo rosto e Carolina se sentou ao seu lado.
— Eu sei que é difícil aceitar uma notícia forte como essa, mas...
— Não Carolina. Eu não estou atormentado por causa disso. Eu aceitaria você e sua filha, mas nós não podemos mais ficar juntos. Não por causa dela. Eu acabaria tudo se você tivesse filha ou não. Não é por causa dela, e nem por sua culpa — ele enfim voltou seu olhar a ela —. É aquela velha frase que você pode até não acreditar. O problema sou eu — ele notou as lágrimas dela começarem a brotar —. Você é uma boa pessoa e uma mulher muito bonita, e que merece alguém melhor do que eu. Eu sou um homem mau que não domina a si mesmo, e que deixa corações partidos.
— É outra? Está me deixando por outra mulher? — ela chorava — Fale. Eu vou entender. Agradeço se me contar a verdade.
Rafael suspirou. Soltou o ar dos pulmões com força.
— Sim, desculpe — os olhos brilharam de sinceridade e Carolina notou isso. Deu um sorriso triste.
— Quem é ela, posso saber?
— Não acredito que essa seja uma informação importante. Mas veja pelo lado bom. Se eu sou do tipo que pode facilmente se apaixonar por outra pessoa, tem sorte de que eu prefira terminar tudo a enganar você.
— Tudo bem, Rafael. Então terminamos tudo. Agradeço por sua honestidade. Pode ir. Mas por favor, não volte. Eu agradeceria ao destino se nunca mais nos encontrássemos.
“Gostaria de dizer o mesmo, mas você será minha sogra”, a frase girou na mente de Rafael. Nos meses seguintes, quase um ano depois, Fabiana contou à mãe que estava namorando, e a mãe só poderia conhecer o namorado dali a algum tempo. Carolina estava ansiosa, mas o encontro com o companheiro da filha era sempre adiado.
Fabiana era enfim advogada. Não participara da formatura da faculdade. Ainda estava com o mesmo namorado que a mãe nunca conhecera e desistiu de conhecer. A jovem advogada criou coragem e contou a mãe que ia se casar.
— Mas eu sequer conheço seu namorado!

— Você já o conhece mãe. Aliás, ele é meu marido agora. Casamo-nos e amanhã vou mudar para um apartamento com ele, que ele comprou nos últimos meses. Eu lamento dizer, mas você já o conhece. Lembra-se daquele advogado Rafael?

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